terça-feira, 16 de novembro de 2010

Xavantes, velhos de guerra

 

 Ferozes, os xavantes eram temidos como quê. A expedição chefiada por Genésio Pimentel Barbosa, do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), foi trucidada por eles a bordunadas. No cerrado, no Mato Grosso, em 1941. O contato pacífico com os brancos só aconteceria quatro anos depois, por intermédio do sertanista Francisco Meirelles. Em troca, a promessa ao lendário cacique Apoena de que seu território seria respeitado.
Em 1956, a gripe levaria doentes desse grupo indígena a se aproximarem dos missionários salesianos. Daí em diante, outros dramas e histórias. Agora, em 2010, a reportagem de Liana Melo, no Globo de domingo, mostra os xavantes ainda em luta por suas terras. Desta vez, fazendas de gado e de soja ocupam 90% da sua reserva Marãiwatsede, de 1.650 km².
Em novembro de 1978 estive na reserva de São Marcos, onde viviam 1.200 xavantes em cinco aldeias. Lá, encontrei um padre missionário que questionava: quais seriam as perspectivas dos jovens índios? Os velhos tinham vivido noites intranquilas; em sobressalto. Qualquer barulho imprevisível desencadeava a expectativa, a angústia da possibilidade de ataque dos brancos.
Disse-me ele que a criançada não sabia o que era o medo de ser perseguido, dizimado. Que os adolescentes não percebiam o que seus pais e avós enfrentaram. "Os meninos nasceram com tudo à mão: comida, remédio e segurança." Aquele missionário se preocupava com o método educativo, insistindo na necessidade de transmitir conhecimento histórico às novas gerações. Isso há 30 anos...
Naquele tempo não me dei conta da complexidade do tema. Porém, entendi que, para se manter, uma tribo indígena precisaria permanecer no seu habitat original. E, mesmo assim, com proteção máxima de um órgão institucional. Ou seja, garantindo-lhe uma redoma refratária ao contágio com outras sociedades e à dinâmica dos acontecimentos no restante do planeta.
Mais tarde compreendi que para se "emancipar", o índio tem que desejar a "emancipação" e se preparar para isso. Quer dizer, globalizar-se sem perder seus valores culturais. Pensei na Europa. Após guerras terríveis, povos de diversas etnias aprenderam a conviver com diferentes línguas, tradições, mitologias, religiosidades, culinárias... Adquiriram novos conhecimentos, conquistaram avanços científicos, aperfeiçoaram tecnologias. Sem abandonar as brigas de praxe.
Concordaram até em usar uma mesma moeda. E a crise econômica? Crises nem sempre resultam de má gestão financeira. Acontecem. Uma estiagem repentina, por exemplo, seria suficiente para arrebentar com a produção agrícola que garantiria a alimentação dos habitantes de uma pequena e isolada aldeia. E, simplesmente, provocaria uma crise pavorosa: fome, desnutrição, doença e morte.
Voltando aos índios brasileiros. Quando passei por São Marcos e por várias outras reservas xavantes, em 1978, impressionou-me a determinação de um líder indígena chamado Celestino. Ele partia da reserva Couto Magalhães, chefiando cinco famílias, com a seguinte meta: retomar as terras da extinta aldeia de Prabubure, onde seu pai fora morto e seus avós estavam enterrados.
Seguia em um caminhão recrutando outros voluntários para sua batalha. O clima era tenso. Por quê? Porque uma fazenda de 140 mil hectares tinha ocupado a área. E agora? Faz 12 anos que pecuaristas e sojicultores não índios desmatam e produzem ilegalmente em Marãiwatsede, terra xavante, homologada em 1998, no governo de Fernando Henrique. A guerra continua?

Ateneia Feijó é jornalista 

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